Buscapé & Bondfaro

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

TECNOFOBIA

A nova patrulha ataca quem discorda da tecnologia. Nem Obama escapou
Não resta a menor duvida de que o futuro chegou e, pelo jeito, não vai mais largar do nosso pé. Tempo esquisito este do amanhã. Assistimos a uma espécie de ufanismo das novidades tecnológicas que chegam ao mercado a cada semana, anunciadas e proclamadas como a solução de todos os problemas. É uma força de opinião tão devastadora que aqueles que discordam do uso dos novos aparelhos é automaticamente tachado de conservador, retrógrado, inimigo da nossa era. O presidente americano Barack Obama se tornou o mais novo alvo no dia 9 de maio, quando, diante de uma plateia de estudantes da universidade Hampton, declarou o seguinte: “Com iPods, IPads, Xbox e Playstations – não sei mexer em nenhum deles – a informação se torna uma distração, um desvio, uma forma de entretenimento, mais que uma ferramenta de aperfeiçoamento”.
Com a velocidade de uma mobilização instantânea, formou-se uma inumerável patrulha antitecnofobia. Obama sofreu ataques de todas as partes. A influente revista britânica The Economist comparou a diatribe de Obama às mais antigas manifestações “tecnofóbicas”, como quando nossos bisavós demonizaram a televisão e o cinema, os retrógrados atacaram o surgimento da imprensa crítica no fim do século XVIII e Sócrates se revoltou contra a escrita ainda no século V a.C. Isso para não falar da Twitterândia de da Blogosfera (que já merece ser chamada de Bobosfera) e seus geeks, nerds e críticos lunáticos. Todos parecem ter chegado à unanimidade de que Obama viveu um surto psicótico, já que ele se elegeu usando o YouTube, as redes sociais e seu famoso celular Blackberry. Essa contradição faz pensar em um ser preso às tradições mais antiquadas da América, aquela que prega o conhecimento nos bancos escolares sem o uso das tecnologias disponíveis.
Ora, subestimar a inteligência do presidente americano soa como uma leviandade. O que ele observou é o que alguns poucos cidadãos menos deslumbrados andam escrevendo e espalhando por aí. Obama não faz o tipo conservador, muito menos em termos tecnológicos. Ele quis simplesmente alertar para o fato de que as novas tecnologias conduzem mais ao entretenimento e à distração que a elaboração legítima de conhecimento. Isso não quer dizer que as geringonças de última geração – como o iPad – não possam ser usadas apropriadamente para o estudo. Só que, convenhamos, é bem mais fácil jogar corrida e ouvir música em um tablete do que ler um livro. Fiz o teste e constatei que o iPad é mais recreativo que pedagógico. É agradável ler livros nele (não tanto quanto com o Kindle), mas bem melhor curtir um game…
Quem lê esta coluna pode retrucar que evoco o exemplo do Obama para encobrir minha própria tecnofobia. Afinal, fui chamado várias vezes pelos internautas mais geeks de tecnófobo, passadista e conservador. Sim, é uma maneira de eu advogar a causa da crítica à tecnologia. E uma oportunidade para fazer a apologia do uso racional das engenhocas que inundam a vida cotidiana. Se defender princípios lógicos, éticos e estéticos básicos é incorrer em tecnofobia, então podem chamar assim qualquer ser pensante que evita o deslumbramento em nome do conhecimento. Usem à vontade e a valer do termo pejorativo para me chamar assim. Pelo menos estou em boa companhia.
Mas me permitam uma defesa. Isso porque, primeiro de tudo, eu sou o primeiro a adotar novas tecnologias. Se sou também o primeiro a abandoná-las, talvez seja porque eu crie expectativas demais em torno das geringonças. Sou um entusiasta de videogame e, como editor de Cultura de Época, colaborei em transformar os games em assunto tratado como cultura. Isso em 2006, quando os games ainda passavam maus momentos na crítica extrageek. Li em O Globo, no sábado, um libelo eloquente do antropólogo Hermano Viana em favor da abordagem cultural dos games – mas, infelizmente, Viana só atacou a imprensa cultural e parece não acompanhar a cobertura de games de Época. Enfim, games são um produto cultural como DVD, blu-ray, CD, teatro, filme e televisão. E não considerá-los com seriedade, espírito crítico e mente aberta é não ter a consciência dos novos padrões de consumo e produção cultural da nascente década de 10.
Outro exemplo de simpatia de minha parte à tecnologia diz respeito à febre dos 3D. Em nosso caderno de cultura, famoso pioneiros em mostrar que o 3D ia invadir os cinemas, isso no início de 2008, quando as primeiras produções chegavam às salas de exibição. Fui também um dos primeiros espectadores de Avatar, na concorrida première em Londres em 14 de dezembro. Lá também testei os games em aparelhos de TV tridimensionais.
No entanto, o fato de ter sido testemunha dessas maravilhas não me qualifica como defensor de primeira viagem ou geek ou seja lá o que for. Os games, mesmo sofrendo evoluções importantes, ainda são veículo de sublimação da violência e de instintos primitivos. O mesmo pode ser dito dos livros, da televisão, da internet e do cinema. É preciso esperar mais futuro para nosso futuro e assim ver os games se converterem em poderosos veículos de conhecimento. Sonho com esse dia.
O preço do futuro é caro. A tecnologia 3D é um bom exemplo. O espectador ganhou um novo tipo de arte imagética, mas perdeu em aspectos como o da fotografia. Você já reparou como em filmes como Alice no país das maravilhas, de Tim Burton, ou Fúria de Titãs, de Jean Leterrier, a tridimensionalidade matou o quadro, a nuance, a iluminação? Nas bordas das telas, há sombra demais, a imagem que importa é a que salta aos nossos olhos, as figuras centrais. Com isso, perdeu-se a noção de quadro, de ângulo, de fotografia. Será que a fotografia vai mesmo morrer?
E agora vem a TV em 3D. Eu pergunto: para quê? Para ver Pânico e o Faustão, os jogos de futebol e o Pedro Bial apresentando BBB? O que muda nossa vida? Nada! Antigamente a gente pensava três dimensões como algo denso e cheio de significados. A ilusão tridimensional começou com o ponto de fuga e a perspectiva, recursos criados pelos pintores renascentistas. A fotografia, inventada por Nièpce, nos anos 1830, já era condicionada pela visualidade da renascença. A vanguarda surrealista e dadaísta tentou romper essa ordem nos anos 20 e 30. O cinema também ensaiou mudanças, mas pouco mudou. Na década de 50, inventou-se o filme em 3D para concorrer com a televisão. Nos anos 70, holografia criou novos espaços perceptivos – hoje total e infelizmente esquecidos. Neste momento, temos hoje uma revivescência do 3D dos anos 50, só que com mais recursos. Quando seria possível explodira a noção de perspectiva e explorar o movimento em novos padrões, diretores como James Cameron e Jean Leterrier se limitam a obedecer as convenções do ponto de fuga e da perspectiva.
Onde estão os cineastas experimentais em 3D? Eles precisam aparecer logo, mesmo que não haja mais vanguarda ou experimentos… Que apareçam, usando outros nomes. Talvez então a TV se torne legitimamente tridimensional. Até agora, toda a moda do 3D me faz constatar o seguinte: as três dimensões se revelam hoje mais chatas, pueris e superficais que a a mais burra bidimensionalidade. O 3D é uma ilusão que se desfaz mais rapidamente do que qualquer outra.
As discussões vão ao infinito. De qualquer forma, a crença de que novas formas de conhecimento e sensibilidade audiovisual surgirão naturalmente da utilização dos novos aparelhinhos será infundada enquanto as pessoas não se programarem para as mudanças reais e consistentes. O que importa é fazer um uso produtivo da tecnologia e não satanizá-la. Isso me parece óbvio e é a razão que não ouço nas declarações de Obama, como quer a bobosfera, nenhum miasma de tecnofobia. A atitude mais produtiva para melhorar este amanhã é trocar o tecnodeslumbre pelo tecnorrealismo. E ser tecno… lógico.



Fonte: http://paginadacultura.com.br/

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